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Bate-papo com Peter Boos

É com grande prazer que apresentamos uma entrevista exclusiva com Peter Boos, um talentoso ator da agência de atores Emplacar Você, no nosso blog. Vamos descobrir mais sobre sua jornada, suas inspirações e o que o motiva a continuar brilhando nos palcos e nas telas. Nesta entrevista, ele compartilha suas experiências e desafios.

Conte um pouco do Peter. O que gosta de fazer quando não está atuando, é leitor, escritor, cantor, pratica esportes?

Gosto de ler os comentários das notícias na internet e encontrar com minha família e com meus amigos para conversar sobre as atualidades. Também costumo escrever textos ou participar de debates. Nunca fui muito atlético mas gosto de mobilizar meu corpo com muitas caminhadas, bicicleta, alongamentos e o que eu chamo de Anarco-Yoga. Quando meu corpo e minha mente pedem, me mexo para não ficar parado, e tendo tantos amigos artistas, não é difícil ir atrás para sempre conferir uma boa programação cultural.

Como aconteceu o teatro na sua vida? Como e quando começa sua história com a arte?

Eu vinha passar férias com minha avó no Rio e ela me sugeria escolher uma peça da programação teatral para irmos assistir. Acabamos vendo, ao longo dos anos, muita coisa, o melhor da dramaturgia teatral da década de 90, com grandes artistas nacionais. Peças que nunca vou esquecer e que acho que me deram a visão sobre o que é interpretar num palco, a força e a liberdade que pede de um ator. Também me envolvia muita nas aulas da minha professora de Educação Artística, a Rosa Marcon, que nos trazia tudo sobre os movimentos artísticos e sobre técnicas e abordagens da representação pictórica ao longo da História. Quando comecei a participar de atividades extracurriculares na minha escola, o Colégio Pitágoras Coqueiral, em Aracruz, Espírito Santo, uma professora de educação física que era muito atenta e até hoje é minha amiga, a Marise Pontes Marques, me convidou a participar de um grupo de dança que ela coordenava chamado Crescer I. Depois de participar de algumas performances coletivas, outra professora, Renata Josely, que quis montar o “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, me selecionou para ser Romeu. Dessa experiência passei a correntemente usar a expressão cênica, ou com teatro ou em vídeo, para apresentar trabalhos, também passei a fazer algumas imitações e mais de uma vez me convidaram a ser mestre de cerimônias de eventos, que eu apresentava imitando o Silvio Santos, jogando bala para a plateia ao invés de dinheiro. Quando formaram um grupo de teatro no bairro para continuar usando o palco da Oficina de Artes & Cia., que estava parada, meu nome foi sugerido e eu aceitei, participando de algumas encenações, principalmente do grupo Fazendo Cena, com a direção do Jorge Luiz de Paula, ou dando apoio de produção a outros grupos. Aí foi natural considerar dentre os cursos de Comunicação da UFRJ, de Produção da UFF e de Artes Cênicas da UNIRIO, no Rio, onde viviam meus avós. Passei para Interpretação na UNIRIO e vim estudar.

 O que mudou na sua vida e rotina quando decidiu viver deste universo? Precisou abrir mão ou interromper alguma coisa?

Eu acredito que uma decisão firme é muito necessária, mas não só. O próprio diálogo com as pessoas que também estão interessadas nas artes guia a abertura de caminhos, que se impõe, fazendo com que naturalmente você tenha que ir abrindo mão de várias coisas muito importantes para muita gente, como conforto, segurança, ideal de família e de posição social. Já tive muitas vezes que deixar ambientes de confraternização em raros momentos de família para honrar compromissos de ensaio ou apresentação. Momentos que não voltam, como a própria juventude, pois acho que se não fosse a assiduidade que o trabalho na área requer, poderia ter sido um pouco menos responsável e aproveitado mais minha adolescência. Mas por outro lado se ganha muito de valores que não se compram, como o conhecimento sobre arte, sobre política, sobre a História, como os contatos que fazemos com pessoas com lindas trajetórias e muita coisa boa para compartilhar, e como uma visão de mundo que permite que a gente saiba valorizar cada vez mais o que importa, que é tempo de qualidade com quem você ama e quer bem, participar de causas ou projetos e momentos que apesar das dificuldades a serem vencidas, são vivências plenas de sentido que nunca deixarão de ser lembradas, e que passam a nos constituir, para que a gente possa olhar para todos com um pouco mais de compaixão, menos deslumbre, e entender a função do ator como um lugar de responsabilidade pela voz a narrativas que construam realidades coletivas melhores. Ou seja, o olhar, pra quem quer ver, muda, e tudo muda.

Cada papel é um recomeço. Um novo preparo, um novo estudo, um mergulho em uma nova identidade. Como é para você viver esse processo e como encara cada novo projeto?

Tem uma certa angústia. Pois tem esse mito de que a cena é um lugar de prazer, mas também acho que o ator está ali para entregar uma mensagem. Então claro, tem que dar um jeito de se divertir, pois ninguém faz nada bem que não goste, mas também acho que é muita responsabilidade desenvolver um personagem, especialmente quando é uma grande obra, com uma dramaturgia que proponha reflexão. Até porque as coisas não são chapadas, então tem-se que buscar uma profundidade para que aquele novo ser que eu também posso ser, e que devo descobrir como seria, ou onde reside em mim, também gere alguma empatia em quem está assistindo. Acho que assim o trabalho fica mais interessante e a gente começa a compartilhar uma visão de mundo mais complexa, mais humana, capaz de lidar com as contradições, pois não tem nada mais perigoso do que promover a ideia do bem e do mal como valores absolutos. Deixa as pessoas intolerantes. Gosto muito de ensaiar, às vezes acredito que é de fato onde está o ouro do trabalho, na troca em processo de criação com os colegas, que têm suas próprias trajetórias, seu próprio conteúdo a dividir. Mas até se sentir de fato preparado tem todo um percurso, e muitas vezes a gente tem que matar mais de um leão para vencer nossas próprias limitações físicas e mentais diante das cobranças que as cenas pedem. Não é sobre ser espontâneo, apenas. Isso é pouco diante da construção de um discurso com suas camadas, e eu acabo sofrendo em cada novo trabalho. Mas a gente administra o medo e vai. Ter uma boa rede de apoio em casa ajuda muito.

Considera importante que o artista se recicle?  

Claro. Acho inclusive que não existe arte sem essa reciclagem, justamente porque ela acontece no entre, na troca entre dois pontos que se comunicam. Claro que nem sempre essa comunicação é direta, ou clara, acho muito importante as margens de subjetividade em cada trabalho, mas existe algo a ser emitido por quem faz e algo a ser recebido por quem consome, e vice-e-versa, no retorno desse embate pela construção de novas perspectivas. Se o ator ou o artista não estiver interessado nisso, em buscar esse fio de navalha, acho difícil o trabalho continuar a interferir na realidade, a dizer respeito para quem quer estar ali. Fica autoreferente, e isso é pouco.

Do seu primeiro trabalho para cá, como enxerga a sua evolução?

Muito grande. Até porque estar em cena parece fácil mas na realidade é algo muito difícil. Você precisa se desprender daquilo que não te pertence para poder estar íntegro na busca de outras perspectivas, que é o que cada trabalho ou personagem pede, e nem sempre a gente está tão disposto a abrir mão de algo que te faz pertencer a um lugar, uma ideia, um grupo, um sonho. Só com muito treino específico é possível passar a estar presente unindo a evocação daquela ideia construída a partir de uma memória ensaiada. Para mim nunca foi sobre estar bem em cena, e sim sobre entrar para aquela luta contra os próprios vícios e maneirismos, poder promover um ato coletivo, e isso aos poucos vai nos preparando para outro tipo de diálogo, mais maduro e sério. Essa busca me interessa muito, pois também me ajuda a ser alguém melhor.

Você participou de espetáculos sucesso de crítica como “Os sapos”, “O Banqueiro Anarquista” e “Elis” com direção de Dennis Carvalho, como foi o desafio de participar desses projetos?

Foram desafios mesmo, mas muito estimulantes. Em “Os Sapos”, da Renata Mizrahi com direção dela e da Priscila Vidca, havia a combinação de um elenco com atores de origens muito diferentes, mas com muita experiência com teatro. Foi muito legal aquela troca e acho que o grande desafio era fazer com que a interpretação daquelas relações desgastadas estivessem no limiar da aceitação, para que não parecessem comportamentos naturais e nem incompreensíveis, de modo que houvesse espaço para a empatia. O Cláudio, que eu interpretava, era um homem confuso, inseguro e controlador, mas dar voz a ele e a suas angústias não podia deixar de trazer humanidade, do contrário a gente não consegue gerar identificação nem entender de onde vinha aquela violência, que tinha de ser patética. Acho que aí está a força do humor. Já em “O Banqueiro Anarquista”, de Fernando Pessoa com a direção do Fernando Lopes Lima, o desafio foi a atenção ao texto, pois minhas falas eram mais pontuais, indagações ao protagonista interpretado pelo José Karini, que falava muito, um trabalho difícil, e eu tinha que estar preparado a acompanhá-lo sem titubear, ajudando na condução daquele fluxo de pensamento. Levamos mais de um ano ensaiando e cheguei a achar que precisaria deixar uma cola sobre a mesa, pois naquele mar de texto era difícil achar os pontos de ancoragem, mas a repetição nos deu a segurança necessária. E em “Elis, A Musical”, do Nelson Motta e de Patrícia Andrade com a direção do Dennis, o grande desafio era mostrar, dentro de uma estrutura tão grande com espaço para individualidades tão reduzido, um trabalho à altura de todos os talentos tão diferentes daquele elenco. Eu fazia o Henfil e o Armando Pitigliani, mas também participava das danças. Em especial foi desafiador assimilar parte da linguagem coreográfica do Alonso Barros, tive dificuldade no início pois havia alguns contratempos mais complexos, mas depois peguei e acho que também contribuí com minha criatividade para algumas imagens daquilo que ele propunha para uma cara de trupe do show “Falso Brilhante”, que permeava o espetáculo. Foram trabalhos gratificantes. 

Você fez participações em novelas, como foi a sua experiência com a teledramaturgia?

Minha experiência em TV foi pontual, com participações pequenas em novelas ou fazendo voz extra em alemão. Geralmente me chamam para fazer algum gringo. Foi muito legal conhecer um pouco mais da engrenagem da indústria e do que se espera dos atores dentro dela mas ainda não tive oportunidade de vivenciar um personagem mais interessante. Acho que pode ser uma experiência bonita caso dê a sorte de colaborar com mais espaço na construção de um personagem de novela ou de cinema.

Como ator você tem um grande diferencial de ter fluência em outros idiomas como inglês, espanhol, alemão entre outros, como surgiu o seu interesse por outras línguas?

Eu sempre gostei de prestar atenção na maneira como as pessoas se expressam. Acho que a palavra tem mais valor do que muita coisa. Tem um valor intrínseco em cada uma delas. E acho também que as inflexões, a cultura, o jeito de falar, a musicalidade melódica da voz, também diz muito sobre de onde brota aquela palavra naquele universo daquela pessoa. E das comunidades. Em viagens com minha família ou sozinho tive a chance de conhecer o espanhol, que acho muito bonito, e fiquei interessado nessas nuances de expressão. Estudei inglês e espanhol na escola e fiz curso de inglês e de alemão, pois o lado do meu pai veio da Bavária e da Francônia. Quanto mais estudo mais me interesso. Gosto da dramaticidade do espanhol e da lógica alemã, mas há algo no português que é verdadeiramente excepcional, como uma beleza discursiva que as outras línguas não têm.

Consegue escolher o que mais gosta de fazer entre teatro, cinema e TV? De que forma enxerga essas três práticas na sua vida e como concilia tantas atividades?

Olha, eu gosto muito de trabalhar. Acho que um homem só pode ser feliz se ele é útil dentro do que ele faz, e nesse sentido, tanto faz o veículo se for para criar uma boa narrativa, que contribua com uma construção sobre como podemos ter um tipo de interação mais interessante entre as pessoas. Tanto que se você for atrás de conhecer um pouco mais da minha história vai ver que participei de um número expressivo de projetos cênicos diversos, e isso não tem nada a ver com fama, pois fama é sobre outra coisa. Acho que o teatro é muito potente, no fundo existe algo que acontece em cada projeto teatral que diz respeito aos coletivos da cidade, mesmo que de modo silenciado ou invisibilizado. Quase como se fosse uma manifestação de uma realidade coletiva, pra bom ou pra ruim, pois o teatro sempre vai revelar o espírito daquela comunidade, mesmo que seja pelo desinteresse ou pela ausência de reflexão. É mítico, é místico, é estético, é político. TV e Cinema podem ser muito bons também, mas estão mais sujeitos a outros interesses que muitas vezes tiram o poder do discurso da boca ou da mão do artista. O teatro, apesar da importância, do quanto é capaz de promover mudanças comportamentais, é difícil, requer a conjunção de muitos interesses, muito cuidado pra fazer ficar bonito, e nem sempre isso é garantido, enquanto que a beleza da TV é poder dialogar com uma massa de gente, a proporção que tem, pois essa estrutura já está garantida. Já o cinema, para mim, é sobre documentação e legado artístico.

Já te acharam parecido com algum ator, artista ou celebridade?

Sim, sempre falam que eu pareço com o Selton Mello. Eu não chego a concordar mas acho divertido, pois é um ator que eu admiro muito. Um grande artista brasileiro. Também já me disseram que eu pareço com o Caco Ciocler e com o vocalista do Beirut. Uma época uma amiga disse que eu parecia o David Bowie, e eu era novo e não conhecia e fui procurar saber. Um dia fui na expo dele em SP e acabei virando fã, pois foi um artista de uma inventividade e de uma coragem muito grandes. A originalidade e a autencidade são coisas que eu respeito muito. E se der para construir algum diálogo com o público como esses artistas conseguiram ter, já estarei realizado como alguém que deixou seu legado.

Que personagem gostaria de interpretar?

Eu gostaria de fazer um bom vilão de novela, brincar com essas nuances da baixeza, até porque a gente não sublima nada que não possa de fato aceitar. Ia ser divertido compactuar com o Brasil na convenção de uma ficção que pudesse falar sobre as contradições desse nosso povo. Mas também gostaria ainda de fazer um homem tentando viver um grande amor ou um pai amoroso ou um grande boêmio. Mas sei lá, eu fico aberto para estar em serviço às dramaturgias, já fui muito feliz no teatro fazendo personagens pequenos mas com contribuição para a trama. E acho que é sobre isso, pois às vezes mais importante do que fazer um grande papel é ajudar a fazer o barco andar para que aquela dramaturgia possa existir. Até porque para mim existem personagens pequenos que são muito importantes para a compressão de uma história.

Projetos futuros?

Sim, sempre. Existem dramaturgias escritas ou em processo que gostaria muito de publicar ou produzir e estou me planejando para isso. Mas não só, pois também quero continuar promovendo debates sobre mídia e sobre desenvolvimento sustentável com a revista Teatro Hoje e com a Rede Santa Cruz de Ecologia e Cultura (REDESCEC), que são organizações com as quais trabalho e que espero ver continuarem a crescer. 

Equipe de Conteúdo Emplacar Você Produções

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